O Pará perde cerca de R$ 9 bilhões ao praticar preços baixos na regularização fundiária de terras públicas de propriedades médias e grandes. O cenário é ainda pior porque muitas propriedades vendidas a valores bem abaixo dos praticados pelo mercado foram formadas a partir de processos ilegais de invasão. Os preços baixos estimulam um ciclo econômico perverso, movido a grilagem, desmatamento, conflitos agrários e especulação de terras.
Essa é a conclusão de um estudo feito por pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), “think tank” baseado em Belém. A amostra mapeou 8.053 imóveis com área maior de 100 hectares e até 2.500 hectares. No total são 3,5 milhões de hectares de terras em jurisdição estadual e em processo de receberem títulos de terra, o que equivale a quase cinco mil campos de futebol.
As estimativas do estudo do Imazon foram baseadas em informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), mecanismo que permite um retrato das propriedades rurais brasileiras. O foco do estudo foram apenas as áreas estaduais que não têm destinação. Ou seja, foram excluídas as terras indígenas, os assentamentos, as unidades de conservação, as glebas federais e os imóveis privados.
A venda dos terrenos segue a regra legal. Com menos de 100 hectares, a terra é doada a quem confirma a posse. Acima de 2.500 hectares, a regularização tem que passar pelo crivo do Congresso. O tamanho médio dos imóveis da amostra é de 466 hectares.
Para os cálculos do estudo “Potencial de Arrecadação Financeira com a Regularização Fundiária no Pará”, ao qual o Valor teve acesso, os pesquisadores aplicaram a metodologia do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), a autarquia responsável pela regularização fundiária do Estado.
Os critérios usados pelo Iterpa consideram o Valor da Terra Nua (VTN). A metodologia para estimar o valor da terra considera, por exemplo, dados como a distância entre o imóvel e a cidade, quanto tempo as pessoas que requerem o título estão ali, se o acesso é feito por estrada ou rio. Esses valores foram comparados às médias de valor do mercado.
“Se os imóveis fossem todos regularizados, o Estado do Pará arrecadaria em torno de R$ 1 bilhão pelos valores que vem praticando”, diz Brenda Brito, pesquisadora associada ao Imazon e autora do estudo. “Se as terras fossem vendidas pelo valor de mercado, o arrecadado seria nove vezes mais do que se está cobrando.”
“Ate 2011 o valor da terra era muito baixo, mas depois ocorreu um reajuste”, diz Marisa Freitas, diretora técnica do Iterpa. Ela exemplifica com o valor de imóveis no município de Paragominas, também no Pará. Em 2011, terrenos com 500 mil hectares podiam ser vendidos por apenas R$ 33,58 o hectare. Agora, tem valor de R$ 637,90 por hectare.
“O valor anterior era realmente muito baixo. Este valor reajustado já não está assim, mas pode ser revisto”, diz. Marisa. O Iterpa usa a tabela de referência do Conselho Estadual de Política Agrícola, Agrária e Fundiária do Pará (Cepaf).
Para calcular o potencial de arrecadação financeira com a venda dos 8.053 imóveis, esclarece o estudo do Imazon, considerou-se a receita obtida com venda dos imóveis depois de as despesas do Iterpa no processo de regularização.
Os cofres públicos paraenses poderiam arrecadar R$ 10 bilhões com a regularização das 8 mil propriedades, segundo o estudo. “A diferença de R$ 9 bilhões é o que o Estado abre mão de arrecadar, um subsídio, na prática”, diz Brenda, que é doutora em ciência do direito pela Universidade Stanford. A receita do Estado está próxima de R$ 23 bilhões ao ano.
“O pior é que são áreas públicas que foram ocupadas ilegalmente em algum momento. A terra barata é uma desvalorização do patrimônio público e, no final, isso pode estimular novas invasões”, diz a pesquisadora. “É o ciclo comum na Amazônia: invasão de área pública com expectativa de regularização futura, desmatamento para sinalizar a posse e expectativa de grande lucro se se conseguir vender a área depois da regularização”, continua. “O valor barato estimula um ciclo sem fim de destruição.”
“O Iterpa é órgão fundiário. Não podemos punir a pessoa se ela desmatou a terra. Quem faz isso é a Secretaria de Meio Ambiente”, lembra Marisa.
Os técnicos do Imazon haviam feito outro estudo considerando terras em toda a Amazônia Legal. Foi feito em 2017, quando o presidente Michel Temer sancionou a Medida Provisória 759/2016, que mudou as regras da regularização fundiária na Amazônia.
Na ocasião, a estimativa foi de que o prejuízo ao patrimônio público seria de R$ 19 bilhões a R$ 21 bilhões. Essa seria a diferença entre o valor médio de mercado dos imóveis em regularização e o praticado pelo governo depois da edição da MP. O montante seria “equivalente a sete vezes as doações internacionais já feitas ao Fundo Amazônia, que apoia projetos de conservação na região”, diz a nota técnica do Imazon.
Fonte: Valor Econômico
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